Polícia
Guerra entre facções volta após ruptura de trégua
Promotor Lincoln Gakiya confirma fim da aliança entre as maiores facções do país após sinais de instabilidade e novos comunicados internos
A trégua entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), anunciada em fevereiro com o objetivo de frear os homicídios e garantir a continuidade dos negócios ilegais, chegou oficialmente ao fim. O rompimento foi confirmado nesta semana pelo promotor de Justiça Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo.
Comunicados internos das duas facções — conhecidos como “salves” — circularam na segunda-feira (28), informando o encerramento da aliança. Diferente do armistício anterior, anunciado em texto conjunto, as novas mensagens foram publicadas separadamente, refletindo a retomada da rivalidade. O PCC afirmou que o acordo foi rompido por “questões que ferem a ética do crime”, enquanto o CV alertou seus integrantes sobre a possibilidade de novos confrontos, inclusive com riscos à vida de inocentes.
Segundo o promotor Gakiya, que atua há quase duas décadas no combate ao crime organizado e é jurado de morte pelo PCC, o fim da trégua era previsível. “A informação que tive há algum tempo é de que o Marcinho VP [líder do CV] não deu aval à trégua. E o aval dele seria indispensável. Isso pode ter levado ao rompimento”, afirmou.
Rivalidade antiga, interesses locais
Relatórios da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) já indicavam que Marcinho VP negava a existência de qualquer aliança. Em documento de fevereiro, ele classificou os rumores como “fake news” e reiterou que as facções “permanecem inimigas”, mesmo mantendo uma postura de respeito mútuo dentro do sistema prisional.
Especialistas apontam que a dificuldade de manter o acordo vem do modelo organizacional distinto entre os grupos: enquanto o PCC tem estrutura centralizada, o CV funciona de forma descentralizada, com autonomia para suas lideranças regionais. Rixas locais, especialmente por disputas de território no tráfico de drogas, acabaram inviabilizando a manutenção da trégua.
“A disputa por espaço continua sendo o principal fator de conflito. Ninguém quer abrir mão de território lucrativo”, conclui Gakiya.
Trégua teve efeitos pontuais
Em fevereiro, um relatório da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo apontou que nove estados haviam detectado “sinais concretos” da trégua. As evidências estavam, principalmente, nas regiões Norte e Nordeste. Estados como Minas Gerais, Amazonas, Acre, Roraima, Ceará e Alagoas identificaram redução nas tensões. No entanto, em outros como São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraíba, os sinais de rivalidade permaneceram.
Com a retomada dos conflitos, autoridades de segurança pública em todo o país redobram a atenção, diante do risco de escalada da violência, inclusive com impactos diretos sobre populações civis nas periferias.