Brasil
Viagens oficiais sob sigilo somam R$3,5 bi desde 2014
Gastos secretos com passagens e diárias de servidores públicos federais cresceram nos últimos anos e dificultam o controle social sobre os recursos públicos.
Desde 2014, o governo federal gastou aproximadamente R$ 3,5 bilhões em viagens de servidores com dados classificados sob sigilo. Ao todo, 1 em cada 8 deslocamentos oficiais realizados nesse período teve informações como o nome do servidor, o cargo e o destino ocultados.
Do total, quase R$ 2,8 bilhões foram pagos em diárias para profissionais não identificados — cerca de 20% de todas as despesas com hospedagem e alimentação no período. Outros R$ 712 milhões foram gastos com passagens aéreas sigilosas, representando 10% do total nesse segmento. Os valores são depositados diretamente na conta dos servidores, sem exigência de nota fiscal, conforme previsto em decreto.
O sigilo dessas informações aumenta significativamente nos governos mais recentes. Na gestão de Jair Bolsonaro, 16% das viagens tiveram dados ocultados. A gestão de Luiz Inácio Lula da Silva se aproxima dessa marca, atingindo 15% até abril deste ano. Nos governos anteriores, os percentuais foram menores: 12% com Dilma Rousseff e 11% com Michel Temer.
Segundo o governo, o sigilo em viagens só pode ser aplicado mediante justificativa legal, com base na Lei de Acesso à Informação. A classificação pode durar até cinco anos para dados reservados, dez anos para secretos e 25 anos para ultrassecretos — estes últimos definidos apenas por autoridades de alto escalão.
Apesar disso, há milhares de registros anteriores a 2018 ainda sob sigilo, sugerindo descumprimento dos prazos legais de divulgação. Para especialistas, essa prática compromete o controle público, pois impede que a sociedade identifique possíveis relações indevidas entre servidores e interesses privados. “Ficamos muito tempo sem saber como estão sendo usados os recursos públicos”, alerta uma analista da área de transparência.
Órgãos de segurança lideram as viagens sigilosas. A Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal concentram mais de 1 milhão de registros com nomes ocultados. Também se destacam os deslocamentos da Presidência da República, que, só na gestão Lula, realizou mais de 2.000 viagens com dados reservados, consumindo R$ 4,8 milhões em diárias e passagens.
As justificativas para o sigilo incluem preservação de operações sigilosas, segurança de autoridades e proteção da integridade dos agentes públicos. No entanto, especialistas em acesso à informação defendem critérios mais rígidos para aplicação do sigilo e fiscalização constante para que os prazos legais sejam respeitados. A cultura de transparência, segundo eles, ainda é frágil no setor público.
“O sigilo não pode ser um esconderijo automático para tudo que envolve segurança. É preciso garantir que ele não esteja sendo usado de forma abusiva para blindar gastos públicos e decisões políticas”, afirma um especialista em dados governamentais.