Política
Parlamentares enviam R$ 550 milhões para fora dos seus Estados; STF tenta frear prática
Em 2024, R$ 252 milhões foram destinados por deputados e senadores a Estados pelos quais não foram eleitos.
Deputados federais e senadores destinaram, nos últimos quatro anos, mais de R$ 550 milhões em emendas parlamentares a Estados diferentes daqueles pelos quais foram eleitos. Somente em 2024, os repasses interestaduais somaram R$ 252 milhões, revelando uma prática que, embora legal, acende alertas sobre a transparência, controle e efetividade na aplicação dos recursos públicos.
O levantamento, inédito, foi realizado pela plataforma Central das Emendas, em parceria com pesquisadores da Universidade de Harvard. Ele considerou apenas as emendas individuais — mecanismo pelo qual cada parlamentar pode indicar diretamente a destinação de verbas do Orçamento Federal.
As bancadas do Distrito Federal e da Bahia lideram esse movimento: juntas, enviaram R$ 70 milhões para fora de seus redutos eleitorais. O Distrito Federal repassou R$ 39 milhões, enquanto a Bahia destinou R$ 31 milhões a outros Estados. Entre os principais destinos das emendas interestaduais estão São Paulo, que recebeu R$ 87 milhões, e o Rio de Janeiro, que recebeu R$ 37,8 milhões — ambos sem ligação direta com a base eleitoral dos parlamentares que enviaram os recursos.
Para Bruno Bondarovsky, pesquisador de Harvard e idealizador da Central das Emendas, a prática enfraquece o argumento de que as emendas servem para atender demandas locais, levantando suspeitas sobre acordos políticos e uso estratégico das verbas.
“Esses R$ 252 milhões poderiam bancar centenas de obras públicas. Esse dinheiro, na prática, influencia alianças e favorece interesses que nem sempre são transparentes para a população”, afirma.
A diretora da Transparência Brasil, Maria Atoji, reforça a crítica.
“O problema não é apenas o destino. É o fato de o dinheiro sair sem critério técnico, sem plano e sem integração com políticas públicas de escala. Isso aprofunda distorções federativas e enfraquece o planejamento nacional”, explica.
O caso do Acre ilustra a distorção: mesmo sendo um dos Estados com maior carência estrutural, seus parlamentares destinaram R$ 6,8 milhões em emendas para São Paulo. Situação semelhante ocorreu com parlamentares do Tocantins, que transferiram R$ 18,2 milhões para o Estado mais rico do país.
Segundo Humberto Alencar, analista de planejamento e orçamento do Ministério do Planejamento, o uso das emendas para beneficiar outras regiões pode representar renúncia a investimentos urgentes nas cidades de origem dos parlamentares. “Para cidades pequenas, um repasse de R$ 1 milhão muda o jogo. Quando esse dinheiro vai para fora, perde-se a conexão com quem realmente precisa e votou nesses representantes”, argumenta.
Em resposta às distorções, o Supremo Tribunal Federal (STF) interveio. Em agosto de 2024, o ministro Flávio Dino determinou que parlamentares não podem mais enviar emendas Pix — modalidade de repasse direto sem necessidade de justificativa prévia — para fora de seus Estados de origem. A medida busca garantir maior transparência e rastreabilidade na execução dessas verbas.
Ainda assim, especialistas apontam que as brechas permanecem. “Mesmo com os limites do Supremo, a lógica dos repasses continua favorecendo interesses subjetivos e alianças pontuais. É preciso repensar o modelo de emendas”, conclui Alencar.