Bahia
Ilha de Maré, bairro mais negro de Salvador, vive crise
Comunidade quilombola em Salvador denuncia contaminação, escassez de pescado e alta incidência de doenças; empresas afirmam adotar medidas de mitigação
A Ilha de Maré, território tradicional e quilombola localizado na baía de Todos-os-Santos, vive um dos maiores conflitos ambientais urbanos da Bahia. Com cerca de 10 mil habitantes, o bairro de Salvador é cercado por empreendimentos industriais de grande porte, como o porto de Aratu e a antiga refinaria Landulpho Alves, atual Mataripe. Ao longo dos anos, os moradores relatam degradação ambiental, contaminação das águas e perdas irreparáveis na saúde e no sustento.
Marisqueiras, pescadores e lideranças comunitárias afirmam que a pesca artesanal — princiBarco passa em frente à refinaria de petróleo de Mataripe, na margem oposta da Ilha de Maré, bairro de Salvador – Rafaela Araújo
pal fonte de renda local — tem sido drasticamente afetada por vazamentos químicos e pelas mudanças climáticas. O aumento da temperatura do mar, por exemplo, tem causado a morte de mariscos nos manguezais. Espécies como sarnambi e rala coco já desapareceram, e a coleta diária tem se tornado insuficiente para sustentar as famílias.
“Esse modelo de desenvolvimento chegou para acabar com a vida da gente”, afirma Marizelha Lopes, liderança comunitária de Bananeiras. Ela relata o aumento de casos de câncer e doenças dermatológicas e respiratórias, que seriam causadas pela exposição contínua a substâncias tóxicas.
Pesquisas da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) confirmam a presença de metais pesados acima dos limites ambientais em caranguejos e no solo dos manguezais. Um estudo anterior, realizado pela Ufba, identificou níveis elevados de chumbo no sangue de crianças da ilha.
Porto dos Cavalos, distrito localizado na Ilha de Maré.
As denúncias vêm sendo levadas ao Ministério Público e ao Conselho Nacional de Direitos Humanos, que acompanham o caso. A comunidade também reivindica há cerca de 20 anos a realização de um estudo amplo e independente sobre a contaminação da baía.
Outro lado:
A Acelen, administradora da refinaria de Mataripe, afirma que mantém diálogo com os moradores e que implementou projetos de desenvolvimento local, como o Acelera Pesca. A empresa também firmou um acordo com o Ministério Público Federal para avaliar impactos ambientais.
Marizelha Lopes, marisqueira e líder comunitária, na orla de Bananeiras, com o porto de Aratu ao fundo – Rafaela Araújo
A Codeba, responsável pelo porto de Aratu, declara que realiza monitoramentos regulares e ações preventivas, além de investir em projetos sociais e ambientais, como a Estação de Monitoramento Ambiental.
A Petrobras, antiga gestora da refinaria e de poços de petróleo na região, não respondeu sobre a contaminação antes das vendas dos ativos. A Brava Energia, atual operadora dos poços, nega qualquer vazamento.
A Prefeitura de Salvador afirma que realiza obras de infraestrutura e ações de saúde na Ilha de Maré, mas os moradores cobram a construção de pontes, hospitais e escolas adequadas, além de atenção às mudanças climáticas que já impactam diretamente o modo de vida da comunidade.