Saúde
Brasil tem 50 mil médicos de cursos mal avaliados
Mais de 20% dos médicos formados na última década saíram de faculdades com notas baixas no Enade; debate sobre qualidade e regulação volta à pauta com força
O Brasil formou, entre 2013 e 2023, quase 230 mil médicos. Desse total, cerca de 50 mil profissionais (21,4%) se graduaram em instituições que receberam as piores notas (1 e 2) no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), segundo levantamento feito pelo consultor Alexandre Nicolini a partir de dados oficiais do MEC. A informação acende um alerta: o que fazer com dezenas de milhares de médicos vindos de cursos de qualidade questionável?
O ensino de Medicina movimenta um mercado bilionário. Com mensalidades que ultrapassam os R$ 9 mil, evasão quase nula e alta demanda, cada vaga representa cerca de R$ 2 milhões em receita para as instituições privadas. Nos últimos 10 anos, o número de estudantes dobrou, superando os 40 mil ingressantes anuais — grande parte motivada pela expansão promovida pelo programa Mais Médicos, a partir de 2013.
A tentativa de frear o crescimento descontrolado veio em 2018, com uma moratória para novos cursos. Mas liminares em massa e decisões judiciais derrubaram parte da iniciativa, até que o Supremo Tribunal Federal decidiu, em 2024, que novas vagas só poderiam ser autorizadas se seguissem critérios regionais de carência médica — como previa originalmente o Mais Médicos.
Apesar disso, a qualidade continua sendo um desafio central. O último Enade, divulgado em abril, mostrou que os cursos novos — em especial os privados — têm desempenho inferior aos mais tradicionais. Na capital paulista, apenas duas faculdades privadas de Medicina atingiram nota máxima: a Santa Casa e a Faculdade Albert Einstein, ambas sem fins lucrativos.
Para enfrentar a situação, o Ministério da Educação anunciou uma nova prova anual obrigatória para formandos em Medicina, que não impacta o diploma, mas será usada como critério para entrada na residência médica. Ainda assim, os médicos poderão atuar como generalistas, sem especialização formal.
Já o Conselho Federal de Medicina (CFM) vai além: defende a criação de um exame nos moldes da OAB, exigido para o exercício da profissão. A proposta tramita no Congresso Nacional e é alvo de debates acalorados. Críticos alegam que a medida fere a autonomia universitária, cria uma reserva de mercado e pode levar instituições a focar apenas na aprovação no exame, prejudicando a formação integral.
Enquanto isso, milhares de médicos já estão em atividade. Sem mecanismos eficazes de controle de qualidade, a saúde pública e privada do país corre riscos. O momento exige uma resposta clara: o Brasil precisa qualificar melhor seus profissionais de saúde para garantir atendimento digno à população.