Brasil
Preço do café pode cair no Brasil, mas não por causa de Trump
Especialistas apontam que a redução no valor do café será puxada por safra recorde, enquanto tarifas dos EUA devem redirecionar exportações de carne e suco para a Ásia
O preço do café no Brasil, que acumulou inflação de 77,88% nos últimos 12 meses, pode começar a cair a partir de outubro, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Café (Abic). Mas, ao contrário do que muitos imaginaram, essa possível redução não será consequência da tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros a partir de 1º de agosto, sob o governo Donald Trump.
“A safra do próximo ano será recorde e suficiente para recompor os estoques globais”, afirma Pavel Cardoso, presidente da Abic.
A medida norte-americana, que impacta diretamente produtos como café, carnes e sucos, levanta dúvidas sobre os reflexos no mercado interno. Para o consumidor, a esperança seria de uma eventual queda de preços, caso o excedente da produção fosse direcionado ao Brasil. No entanto, cada setor apresenta dinâmicas distintas, e a lógica de mercado nem sempre funciona de forma automática.
Café: alívio à vista, mas por conta da produção
Segundo Cardoso, os altos preços do café são resultado de quatro anos de desequilíbrio entre oferta e demanda, agravados por eventos climáticos e especulação de fundos de investimento. Ele garante que a queda de preços nas prateleiras brasileiras deve começar entre outubro e novembro, impulsionada pela colheita recorde, e não pelo impacto da tarifa norte-americana.
“Os EUA não têm plantação de café e são totalmente dependentes das importações. Eles compram 16% do que exportamos, mas a Europa ainda é nosso maior cliente, com 53% das exportações”, explica.
Apesar do atrito comercial, o setor já mira novos mercados, especialmente na Ásia. “A China e outras economias asiáticas têm redes de cafeterias em expansão e estão prontas para absorver parte do que não for mais vendido aos americanos”, completa Cardoso.
Carne: foco segue no mercado asiático
No setor de carnes, a avaliação também é de impacto limitado da medida americana. De acordo com a Abiec (carne bovina) e a ABPA (proteínas suínas e aves), o mercado brasileiro absorve 70% da produção de carne bovina, enquanto os Estados Unidos compram apenas 12% das exportações, com foco em miúdos e cortes dianteiros para hambúrgueres.
“Não há como realocar toda a produção destinada aos EUA para o mercado interno. Vamos direcionar o excedente para parceiros já existentes, como a Ásia”, afirma Roberto Perosa, presidente da Abiec.
Nas carnes suínas, os EUA ocupam o 12º lugar entre os compradores. No caso das aves, os americanos sequer importam frango brasileiro, já que são grandes produtores. Ou seja, não há previsão de queda de preços no mercado interno por conta do tarifaço.
Suco de laranja: o mais afetado
O impacto mais severo será sentido no setor de sucos cítricos, especialmente o de laranja, que tem os Estados Unidos como maior cliente individual (42% das exportações). Segundo a CitrusBR, 95% da produção brasileira é exportada, e a tarifa comprometerá a rentabilidade do setor.
“Com o novo imposto, 70% do valor do suco vai para a tarifa, inviabilizando a venda. Não temos como redirecionar toda essa produção ao Brasil”, alerta Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBR.
O mercado interno não tem infraestrutura de envase e distribuição suficiente para absorver esse volume. A aposta, mais uma vez, é no crescimento do consumo na Ásia, embora a adaptação leve tempo.
Especialistas defendem diplomacia e novas alianças
Para economistas, o episódio deve servir de alerta para o Brasil diversificar seus mercados e fortalecer a diplomacia comercial. “Trump quer mostrar força após os Brics desafiarem o dólar. Mas a economia global precisa de diálogo”, avalia André Perfeito, da APCE.
Já Maria Andréia Parente Lameiras, do Ipea, chama a atenção para possíveis reflexos no câmbio e na empregabilidade. “Se as exportações caem e não há redirecionamento rápido, pode haver desemprego no setor produtivo e alta do dólar no Brasil”, diz.
Por fim, o economista Ladislau Dowbor sugere que a crise pode ter um lado positivo: reforçar o consumo interno e combater a insegurança alimentar. “O país produz mais de 4 quilos de grãos por pessoa por dia. É hora de usar esse potencial a nosso favor”, afirma.
