Política
Governo Lula repassa 85% da verba de cisternas a ONG ligada ao PT
Associação controlada por petistas recebe R$ 640 milhões de programa contra seca; repasses a entidades de aliados políticos levantam questionamentos sobre critérios de escolha
Um dos principais programas sociais do governo Lula, voltado ao combate à seca no semiárido brasileiro, está no centro de um debate sobre transparência e critérios de distribuição de verbas públicas. O Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) destinou R$ 640,1 milhões — o equivalente a 85% dos recursos totais do programa de cisternas — a uma única ONG comandada por integrantes históricos do Partido dos Trabalhadores (PT).
A entidade beneficiada é a Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), por meio do seu programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), que desde 2003 mantém relação estreita com o governo federal. Segundo o MDS, a escolha se deu com base em critérios técnicos e experiência comprovada na região, e que vínculos político-partidários “não foram considerados” no processo de seleção.
Apesar da defesa oficial, o volume concentrado em apenas uma ONG chamou a atenção da Controladoria-Geral da União (CGU), que apontou riscos no modelo e recomendou maior vigilância. O relatório da CGU identificou ainda falhas estruturais em 31% das cisternas vistoriadas entre 2020 e 2022, como vazamentos e rachaduras — 10% estavam completamente inutilizáveis.
A ONG P1MC não executa diretamente as obras, que são realizadas por entidades subcontratadas. Dentre elas, ao menos 37 organizações são comandadas por filiados ao PT ou ex-integrantes de administrações petistas. Essas subcontratadas já receberam R$ 152 milhões até agora.
Entre os casos citados estão cooperativas lideradas por ex-assessores políticos ou candidatos do PT, como a Cootapi, no Piauí — estado do ministro Wellington Dias, chefe do MDS —, que recebeu R$ 9 milhões para a instalação de 775 cisternas. Outras entidades em estados como Ceará, Pernambuco e Bahia também receberam repasses milionários sob comando de quadros ligados ao partido.
A concentração dos recursos e a recorrência de vínculos partidários nas entidades contratadas acenderam alertas entre especialistas em governança pública. Segundo Guilherme France, da Transparência Internacional, é fundamental ampliar os mecanismos de controle e exigir programas de integridade eficazes nas instituições que recebem grandes volumes de recursos federais.
“O volume de dinheiro público exige contrapartidas em transparência. Instituições que operam contratos desse porte precisam seguir padrões rigorosos de governança e evitar conflitos de interesse”, afirmou.
Além do programa de cisternas, o Ministério do Desenvolvimento Social já havia sido alvo de críticas por contratos firmados com ONGs ligadas ao PT para distribuição de quentinhas. A denúncia, revelada em fevereiro, apontou que alimentos não estavam sendo entregues, apesar dos pagamentos realizados. A pasta suspendeu os contratos e abriu investigação. O caso também está sendo apurado pela Polícia Federal, TCU e CGU.
Criado no primeiro mandato de Lula, o Programa de Cisternas foi reativado com força após anos de redução orçamentária durante a gestão Bolsonaro. A meta do governo é investir R$ 1,5 bilhão até 2026, beneficiando mais de 100 mil famílias. No entanto, a atual execução do programa levanta questionamentos sobre critérios técnicos, transparência na escolha dos parceiros e a necessidade de maior fiscalização.